INVENTÁRIO (a burocracia por morte)

Na vida, não há ser humano que, após as conglomerações sociais, tenham se esquivado da famosa burocracia. Engraçado que, consultando Aurélio [1] percebemos o sentido denotativo de burocracia como: Complicação ou morosidade no desempenho do serviço administrativo. Não nos restando dúvidas de que, burocracia é sinônimo de coisas difíceis ou custosas.

Contudo, como dito inicialmente, não há ser humano vivo que possa se esquivar do sistema, que cada dia mais se torna burocrático (com excesso de formalidades). Irônico é que o sistema chegou a tal ponto que, a burocracia transcende a vida resistindo até à morte

Já não bastasse o grande sofrimento da família pela morte de entes queridos, tem ela que se submeter, quase que de imediato ao falecimento, a um exaustivo processo: O Inventário. Antes mesmo de se recuperar do grande abalo sentimental, terão os familiares que reunir todos os bens deixados pelo falecido e decidir quem vai herdar o quê. Esse processo, além de desgastante, na grande maioria, acaba causando briga entre os parentes.

Com as modificações trazidas pela Lei 11.441 de 04 de janeiro de 2007, buscou-se desburocratizar casos especiais de inventário. Atualmente é permitido, com auxilio de um advogado, realizar um processo de inventário apenas no cartório (tabelionato), onde, num período de duas a três semanas, ou até menos, já se conclui todos os atos do famigerado processo. Mais para tal feito é necessário que todos os herdeiros sejam maiores (mais de 18 anos de idade), capazes (responder judicialmente por seus atos) e estejam de acordo com o a partilha dos bens deixados pelo falecido.

Caso haja controvérsia na partilha, menores (menos de 18 anos de idade) ou incapazes (não podem responder judicialmente pelos atos, geralmente por apresentar deformidades psicológicas), inesquivável será o procedimento judicial, deveras mais burocrático e moroso que o realizado no cartório.

De início, parece fácil realizar um inventário, bastando apenas listar os documentos dos bens, créditos e dívidas do falecido para que o juiz decida quem vai ficar com o quê. Mais a verdade é que, durante o processo surgem muitas duvidas e acontecimentos que perturbam a ordem lógica dos atos procedimentais do inventario. Como exemplos, podemos citar: o falecimento de um herdeiro durante o processo, a descoberta de novos bens e/ou herdeiros do falecido, a necessidade de se sacar saldos acumulados em cadernetas de poupança, PIS, FGTS, dentre inúmeros outros incidentes que pode ocorrer durante o curso natural da ação.

Resumindo, fazer um inventário judicial, aonde não se chega a um acordo amigável na partilha dos bens ou mesmo quando existem herdeiros menores e incapazes, exige-se, antes de tudo, paciência e muito cuidado. Paciência porque, um processo judicial de inventário pode levar meses ou até anos. Cuidado porque se a família não escolher um bom advogado ou mesmo nomear um inventariante desonesto, corre o risco de ver os bens do falecido nas mãos de quem não tem direito sobre eles, enquanto os herdeiros legítimos são prejudicados. [2]

Para melhor elucidar o tema, marcaremos alguns pontos que, na prática, percebemos gerar acentuadas dúvidas:

O que é exatamente um inventário? É a relação (no sentido listar, noticiar, informar) todos os bens (moveis, imóveis e créditos) e deveres (dívidas) da pessoa que faleceu. Lembrando, inventário só deve ser feito após a morte de pessoa. (Pessoalmente já vi filho cobrando de pai direito de herança sem que este último tenha falecido).

Para que serve o inventário? Para transmitir os bens deixados pelo falecido aos herdeiros. Antes do inventário, os bens deixados formam um todo indivisível, que só será fracionado após o advento da partilha, que é o desdobramento lógico do inventário.

Quanto custa um inventário? Varia de acordo com o valor do patrimônio do falecido e dos honorários do advogado. O custo final pode variar de 5 a 20 do valor total dos bens. Além disso, há os impostos sobre os bens partilhados. No caso de pessoa física, incide o Imposto sobre Causa Mortis (ICM), que fica entre 2 e 4 do valor do patrimônio inventariado, segundo percentual fixado pela lei local e avaliação da Secretaria de Fazenda de cada estado.

Quais os tipos de inventário? Existem hoje, basicamente quatro procedimentos, onde, se seguirá o rito de apenas um, dependendo do caso concreto:

a) Inventário no rito solene, Quando os bens deixados pelo falecido são de maior valor. Existe ou não acordo na partilha dos bens. Necessária presença do Ministério Público. A avaliação dos bens tem de ser feita por um perito nomeado pelo Juiz. A partilha só pode ser efetivada se todos os herdeiros e o representante
do Ministério Público estiverem de acordo com a avaliação dos bens etc. Geralmente moroso.

b) Inventário no rito de arrolamento. Quando os bens deixados pelo falecido forem menor valor. Este rito processual é bem mais célere, pois, tudo é feito de uma só vez: a declaração dos bens, a nomeação do inventariante, a homologação do inventário e a expedição formal da partilha. Não havendo nenhuma discordância entre os herdeiros. Se houver menores, faz-se necessário intimar o Ministério Público a participar do processo, a fim de defender o interesse dos mesmos. Geralmente mais rápido que o primeiro.

c) Inventário no rito Administrativo (notarial/cartório). O mais célere dos três procedimentos onde há a existência de bens de valor a ser partilhados. Não depende de valor do patrimônio, apenas exige-se que todos os herdeiros sejam maiores, capazes e que não haja controvérsia na partilha dos bens deixados. Geralmente dura menos de um mês.

d) Inventário Negativo. Utilizado quando o falecido não tem nenhum bem que possa ser partilhado entre os herdeiros. Neste caso, basta que a família apresente um documento que comprove a ausência de bens. Basicamente utilizado para tornar pública a inexistência de bens do falecido, geralmente a fim de evitar ações judiciais contra o mesmo. Geralmente leva de 08 a 15 dias.

Qual o prazo legal para dar entrada no inventário? Com o advento da Lei 11.441 de 04 de janeiro de 2007, dilatou-se o prazo, que antes era de 30, para 60 dias após o falecimento do parente, para que se possa dar entrada no inventário. O prazo para termino é de 12 meses, contudo, na prática, estas datas podem ser dilatadas, dependendo de pedido formal, realizado pelos herdeiro, ao Juiz competente a julgar a causa.

Matéria de grande interesse e curiosidade resolvi colocar um ponto apresentado no trabalho da professora Valéria Feitosa, que, certamente, trará luz a turvas duvidas. Como proceder em caso de filhos do falecido não reconhecidos em vida por ele???

Primeiro, a mãe da criança tem de entrar com uma ação de reconhecimento de paternidade, na Vara de Família, contra o falecido. Em seguida, deve pedir uma certidão que informa a existência de um processo desta natureza contra o falecido e entregar uma petição ao juiz da vara de e Sucessões para que, na partilha, ele faça uma reserva da parte que caberia ao filho não reconhecido. Outra opção é pedir a paralisação do inventário até que a ação de paternidade seja julgada. Como processos de reconhecimento de paternidade são demorados, o juiz normalmente prefere reservar a parte de direito do filho não reconhecido e, caso a ação não seja favorável a ele, esta parte é redistribuída somente entre os filhos reconhecidos [3].

Por último, mais não menos importante, quais cuidados devemos tomar antes de iniciarmos um processo de inventário? Como dito anteriormente, o principal deles é escolher um bom advogado, que conheça bem da matéria e seja de confiança, uma vez que ele terá nas mãos uma procuração. Outro cuidado é não deixar de relacionar nenhum bem do falecido, sob risco de ver o inventário anulado. E por fim, a famosa paciência, pois como induzimos no início de nossa singela explanação, este processo é formal e solene. Mas o que isso significa? Resumidamente, burocrático.


[1] Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 2ª Edição, Editora Nova Fronteira S/A, pág. 295, 1ª coluna.

[2] Valéria Feitoza - Da equipe do Correio .

[3] idem.